"Saudosa Maloca, Maloca querida, dim dim Donde nóis passemos os dias feliz da nossa vida." Esses não são os versos com os quais Adoniran Barbosa imortalizou minha terra natal. Todavia, a letra de Saudosa Maloca diz bem mais sobre o que sente um Jaçanaense "fora de casa", posto que desde meados dos anos 60 o "Trem das Onze" não passa mais por lá.
Burocraticamente, apesar de ser conhecido como o bairro da premiada canção do sambista, Jaçanã é na verdade um distrito, e entre os bairros que o constituem está a Vila Constança, onde morei por doze anos, quase até o final do último verão.
Não é das regiões mais badaladas de São Paulo. À exceção das avenidas principais, o Jaçanã em pouco lembra a grande metrópole e, até onde esse distanciamento é possível, pode ser considerado um distrito bastante pacato.
Infelizmente, e como não poderia deixar de ser, o Estado não é muito eficaz na região, o que pode ser observado pela qualidade do asfalto e pelos sistemas de saúde e educação. A infraestrutura desses sistemas existe, mas não há manutenção, só inaugurações e recapeamentos.
O Jaçanã fica na Zona Norte da capital paulista, na fronteira com o município de Guarulhos. Como os bairros são residenciais em sua maioria, a população local segue a rotina padrão da periferia de São Paulo: acordar cedo, utilizar-se do transporte público pra ir ao trabalho, voltar pra casa as seis horas da tarde em horário de pico. Pra fazer a migração pendular de cada dia, os jaçanaenses se afunilam em direção a estação de metrô Tucuruví, enfrentando o indigesto engarrafamento da avenida Guapira.
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Pracinha do Jaçanã |
O trânsito é talvez a marca paulistana mais forte no distrito que possui praças onde ainda é possível reunir os amigos para tocar violão ou jogar damas. Ameno, o Jaçanã é o lugar pra onde volto, sempre que as lembranças deixam de ser suficientes pra matar a saudade que sinto longe de casa.
Saudades do "bairro" que inchou com o município, mas que preservou seus símbolos: A Igreja de Santa Terezinha continua sem cadeiras suficientes para o grande número de fiéis que aparecem aos domingos; o time do Clube Guapira se mantém como grande esperança jaçanaense no esporte (torcemos muito: quem sabe o time acesse a alguma divisão relevante do campeonato paulista e possamos ver grandes clubes paulistas jogando perto de casa?); o centenário Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro II ainda é conhecido apenas como Asilo dos Inválidos e mantêm seu funcionamento regular.
Já que chegamos ao Asilo, descansemos um pouquinho. Logo Dona Ema virá conversar conosco. Uma senhora já com suas 93 primaveras que cuidou sozinha dos filhos e teve uma série de outras dificuldades, as quais superou com muita disposição e trabalho. Não se engane, Dona Ema vem visitar o Asilo. Como ela diz, vem cuidar dos velhinhos, rezar um pouco com eles, conversar com o pessoal que trabalha aqui e que sempre a trata muito bem. E vem pra cá caminhando pelas calçadas desniveladas e estreitas, apenas com o auxílio de sua sombrinha, com uma vitalidade contrastante com as rugas de sua mão, mas em prefeita harmonia com seu sorriso.
Desculpe-me. O devaneio que a nostalgia e o adiantado da hora me fizeram sentir-me de novo na estação onde não passam mais os trens de Adoniran. Espero que fique com essa imagem quase onírica resgatada por minha saudade. Espero que também ouça o apito que chega á gare, hora de partir.