sábado, 16 de maio de 2009

Enquanto o trem não passa


"Saudosa Maloca, Maloca querida, dim dim Donde nóis passemos os dias feliz da nossa vida." Esses não são os versos com os quais Adoniran Barbosa imortalizou minha terra natal. Todavia, a letra de Saudosa Maloca diz bem mais sobre o que sente um Jaçanaense "fora de casa", posto que desde meados dos anos 60 o "Trem das Onze" não passa mais por lá.

Burocraticamente, apesar de ser conhecido como o bairro da premiada canção do sambista, Jaçanã é na verdade um distrito, e entre os bairros que o constituem está a Vila Constança, onde morei por doze anos, quase até o final do último verão.

Não é das regiões mais badaladas de São Paulo. À exceção das avenidas principais, o Jaçanã em pouco lembra a grande metrópole e, até onde esse distanciamento é possível, pode ser considerado um distrito bastante pacato.

Infelizmente, e como não poderia deixar de ser, o Estado não é muito eficaz na região, o que pode ser observado pela qualidade do asfalto e pelos sistemas de saúde e educação. A infraestrutura desses sistemas existe, mas não há manutenção, só inaugurações e recapeamentos.

O Jaçanã fica na Zona Norte da capital paulista, na fronteira com o município de Guarulhos. Como os bairros são residenciais em sua maioria, a população local segue a rotina padrão da periferia de São Paulo: acordar cedo, utilizar-se do transporte público pra ir ao trabalho, voltar pra casa as seis horas da tarde em horário de pico. Pra fazer a migração pendular de cada dia, os jaçanaenses se afunilam em direção a estação de metrô Tucuruví, enfrentando o indigesto engarrafamento da avenida Guapira.
Pracinha do Jaçanã

O trânsito é talvez a marca paulistana mais forte no distrito que possui praças onde ainda é possível reunir os amigos para tocar violão ou jogar damas. Ameno, o Jaçanã é o lugar pra onde volto, sempre que as lembranças deixam de ser suficientes pra matar a saudade que sinto longe de casa.

Saudades do "bairro" que inchou com o município, mas que preservou seus símbolos: A Igreja de Santa Terezinha continua sem cadeiras suficientes para o grande número de fiéis que aparecem aos domingos; o time do Clube Guapira se mantém como grande esperança jaçanaense no esporte (torcemos muito: quem sabe o time acesse a alguma divisão relevante do campeonato paulista e possamos ver grandes clubes paulistas jogando perto de casa?); o centenário Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro II ainda é conhecido apenas como Asilo dos Inválidos e mantêm seu funcionamento regular.

Já que chegamos ao Asilo, descansemos um pouquinho. Logo Dona Ema virá conversar conosco. Uma senhora já com suas 93 primaveras que cuidou sozinha dos filhos e teve uma série de outras dificuldades, as quais superou com muita disposição e trabalho. Não se engane, Dona Ema vem visitar o Asilo. Como ela diz, vem cuidar dos velhinhos, rezar um pouco com eles, conversar com o pessoal que trabalha aqui e que sempre a trata muito bem. E vem pra cá caminhando pelas calçadas desniveladas e estreitas, apenas com o auxílio de sua sombrinha, com uma vitalidade contrastante com as rugas de sua mão, mas em prefeita harmonia com seu sorriso.

Desculpe-me. O devaneio que a nostalgia e o adiantado da hora me fizeram sentir-me de novo na estação onde não passam mais os trens de Adoniran. Espero que fique com essa imagem quase onírica resgatada por minha saudade. Espero que também ouça o apito que chega á gare, hora de partir.