Esqueci as discussões da faculdade, as divergências entre políticos, as vítimas das enchentes de São Paulo e Niterói.
Não me considere um alienado: elas também se esqueceram, por noventa longos e torturantes minutos, que em algum momento uma chuva lhes destruíra as posses de toda a vida. Não os considere alienados: a catarse, a fantasia que inspira flagelados pobres e semi-letrados também embriaga abastados pós-doutores.
É que hoje o meu time jogou. O time dos flagelados e dos pós-doutores também. Para quarenta mil torcedores fanáticos ou para doze reclamões em um estádio, com cobertura de vinte câmeras da maior rede de televisão aberta do país ou pela narração de um radialista rouco da rádio da comunidade, o fato indiscutível é que o meu time, o time deles, o seu time entrou em campo.
Este fato elimina a lógica, a coerência, o bom senso. No estádio, nos bares, na sala de estar de cada casa brasileira, gargantas dão o máximo para mostrar que, do lado de cá do alambrado, não há tripa que não ajude a garganta a incentivar ou cobrar a equipe. E daí que eles não ouvem? É o nosso jeito de jogar por eles. É por aqueles onze carregando o brasão e o nome do clube que suor, lágrimas, todo fluido corre o corpo do torcedor por noventa minutos.
Enquanto o relógio não fecha a volta, e o juiz não encerra o jogo, o corpo em transe não responde a nada que não venha de dentro do gramado.
Aficionados,
esperançosos desesperados,
hipnotizados hiperativos, Crianças.
Crianças que sonham em entrar em campo e decidir o jogo, que não tem outra preocupação senão o resultado da partida. Crianças que cantam sorridentes pra incentivar seu time, que choram descrentes as dolorosas derrotas. Crianças por noventa minutos; crianças, desde pequenininhos.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Entrando em campo
Não tem jeito. Intelectuais que se ofendam, se alguém fala em futebol, fala do Brasil . O inverso é inevitável, e perfeitamente coerente: aqui se nasce de chuteiras, é um lance cultural, quase genético. O Brasil não é todo futebol, mas o futebol está em todo brasileiro.
Quando falo de chuteiras, falo do modelo caro e cafona, divulgado por uma paquita do Real Madrid ou um craque do Barça, a ser calçado por um filho de magnata da zona sul de São Paulo sem muita vocação para o esporte, mas também da lama de várzea que encobre os pés de um filho de pescadores no Piauí que traz no sangue a habilidade que nos trouxe cinco copas do mundo. A disparidade social do país fica suspensa enquanto a bola estiver rolando.
Os politizados que se revoltem, mas o esporte não tem nada que ver com a desigualdade. A indústria que fizeram dele, sim. Mas quando o país para pra ver a final do Brasileirão, não é essa indústria a responsável pelo fenômeno, é o esporte. Ou melhor, a paixão que ele move.
Fanáticos que vejam sacrilégio onde não há, mas essa paixão, essa religião do futebol é a tradução do sincretismo brasileiro. Os apóstolos em combate, a entidade maligna que sopra o apito e uma redonda divindade que, vaidosa e imprevisivelmente, decreta a cada rodada quem vai pro céu ou para o inferno, formam o panteão, adorado por centenas milhares de fiéis. Os praticantes sempre dão um jeito de comparecer aos templos, seja no final ou no meio da semana, seja perto de casa ou fora do país.
O futebol é a marca mais abrangente da cultura tupiniquim. Maior que o samba, que as manifestações regionais, que o folclore, quase maior que a abrangência da Globo. É preconceito e "pseudointelectualismo" negar-lhe essa característica. E sem reconhecer o cidadão brasileiro como ele é, e ignorar o traço mais marcante de sua cultura, é impossível compreender o Brasil. Pena que tantos fazem questão de desprezá-lo. Que se pode fazer? Bola pra frente, que o nosso time tá ganhando!
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